15 de fev. de 2009

Caminhava sozinha pela rua calçada.

A passos largos se encaminhava para o local esperado.

Sua casa era distante dali.

Naquele lugar do caminho rotineiro, ela de súbito parou.

Olhou para o céu.

Sentiu o desejo de ser estrela.

Queria mesmo ser qualquer coisa só pra deixar de ser o que era.

Tinha desejos na alma.

Estava exausta daquelas calçadas, daquelas ruas, daqueles caminhos demais trilhados.

Sabia de certeza que um dia seria outra.

Tão logo ouviu seu pensamento, este mesmo lhe fugiu e ela foi se encaminhando para o local esperado.

A sombra muda a acompanhava.

Assim como lhe vinham estes pensamentos de quando em vez, eles se despediam e partiam, às vezes sem nem esperar por acenos saudosos dela.

15 de dez. de 2008

Coisas que eu acho bonitas

Músicas que tocam num lugar tão nosso e quase desconhecido que chega a dar um tremor só de ouvi-las.
Flores de todas as espécies e cores das mais variadas, mas principalmente aquelas que têm o pistilo dentro e que me faz pensar na grandiosidade de Deus ao observá-las mais de perto.
Cores que colorem tudo até as sensações da gente.
Poesias de Neruda que me invadem de um jeito estranho, que me preenche com a sonoridade da junção de suas palavras, que me esmorecem.
Encantamento das coisas, das coisinhas pequenas, das coisas passadas, dos detalhes, do incomum, do diferente, do embriagador de sentidos.
As histórias do Márcio Vassalo.
Paisagens do mundo, dos lugares que já fui, daqueles que eu nunca vi, daqueles que vi em sonhos, daqueles que inventei que criei pra mim.
Doces de coco, de ovo, de leite condensado, de frutas, em calda, doces cor de rosa, amarelos, coloridos e enfeitados.
Amigos do meu peito.
Balões cheios de ar presos em fitas mimosas, balões vermelhos que podem de repente escapar da mão de alguém e seguir caminho céu a fora e ir-se embora, embora pro infinito azul onde nada se vê e de onde vê-se tudo.
Park de diversões em dia ensolarado, gente caminhando de todos os lados, com doces, maçãs do amor, brinquedos pescados, pirulitos coloridos e burburinho de crianças correndo, comendo, chorando, rindo e brincando.
Noite iluminada num park de diversões...
Lona de circo iluminada antes e dentro do espetáculo, arquibancadas lotadas, “biro – biro” sendo vendido, pipocas de circo que tem sempre sabor de palhaçada diferente da do cinema que tem sabor de aventuras, romances, comédias, e que também é completamente diferente em sabor da pipoca da panela lá de casa.
Um carinho que pode ser no rosto ou na mão.
Um afago que pode ser no cabelo, no nariz, na orelha, que pode ser onde a gente achar mais conveniente.
Um bebezinho de colo, doce, frágil, indefeso e com a capacidade de mudar tudo que está ao redor dele. Um poder sem saber. Uma esperança de tudo de bom, de amor sem limites. Uma página quase em branco.
Brinquedos guardados embaixo da cama, nos cantos, atrás das portas, no meio da sala, embaixo do sofá, debaixo das árvores, perdidos lá fora, esquecidos no sereno, guardados nas caixas, no baú, guardados com carinho e cuidado, brinquedos estragados, quebrados, velhos, com cheiro de novidade. De todos os que mais gosto são aqueles que me transportam pra fora e pra dentro de mim com tanta facilidade que sem ele eu não saberia.

Inha

Inha, a Luzinha, desde que se conheceu por luz, morava num canto esquecido da alma de uma menina.

O canto pequeno, desorganizado, desensolarado, descolorido, desencantado, era o único lugar que Inha sabia existir.
Acho que ela se ascendeu ali,
Com uma luz não sei de quem
E brilhava ainda, não sei como.

Inha, a Luzinha era sozinha.

A única visita que recebeu da sua menina fora há....

...Inha não tinha como medir o tempo, pois não tinha relógio nem calendário, mas sabia
que esta visita acontecera num tempo que já descolorira de velho
e
que a menina era redonda e de olhos e boca bem pequenos.

Inha, continuava sozinha.

Um dia resolveu se aventurar.
E inventou uma viagem pela menina.

Inha se vestiu de um lindo raio de luz vermelha tão forte que...aiai...
E saiu.

Conforme iluminava os outros cantos da menina,
Foi encontrando...

Escorregadores
Piscinas
Pracinhas
Jabuticabas
Cipós
Pitangas e guabijus
Bonecas
Jurubebas
Subidas e cacimbas
Aroeiras
Igrejinhas
Nossa Senhora
Pontes fundas
E procissão.

Mais a frente espiou...

Uns ratos mortos
Pesadelos sonhos com cachorros
Morcegos
Uma Tv sem fio
Uma janela sem vidro
Chinelo arrebentado
Casaco rasgado
Bolsos furados
Pedrinhas
E histórias de dar medo.

Dava arrepio...mas mesmo assim Inha achou bonito.

Enquanto Inha viajava, a menina sentia cócegas por dentro.

Num ímpeto de curiosidade e coragem
Inha procurou uma porta que pudesse sair do universo da menina e ir mais longe.

Eis que avistou um par de portas iluminadas ... se aproximou e....
Escorregooouuu!!!!

Escorregou pelo nariz e caiu justo nas mãos da menina...que pra sua surpresa estava cada vez mais redonda.

A menina ficou encantada ,
Meio assustada
e um pouco atrapalhada,
tentou colocar Inha de volta pra dentro de si
tentou
tentou
e tentou
mas Inha se grudou no nariz da menina e de repente...
se viu arredondada como a menina
uma luz vermelha e redonda
Inha gostou da idéia.

Dali via o mundo
Via o colorido e o sol
Que lá de dentro ela não via.

Ah, Inha viu tantas cores
Tantas flores
E todos os amores da menina.

Nunca mais saiu do nariz da menina.

Recortes significativos de infância

Do alto se via a estrada de chão,
e um verde banhava o resto.

Á direita, um buraco quadrado fundo.
Um pé de vassoura cresceu dentro do buraco.
Na fundura do buraco nasceu um bem-me-quer,
despetalei-os sem pensar.

Á esquerda, a subida ondulava,
No topo a aroeira em V
O coqueiro que nunca deu coco
E a cicatriz que a casa deixou no chão.
A casa desceu a subida,
Passou no passinho,
De perto avistou a cacimba de água fresca
E a clareira á beira da sanga.

A casa escorregou.

Acentou pé lá embaixo.

Despediu-se da aroeira e foi vizinhar com a sanga.

Transbordava sempre a sanga com a enchente de São Miguel,
Setembro.

E lá de dentro se ouvia a conversa marrom das águas em enxurradas.

Na primavera cercavam a casa as florzinhas brancas.
Uma horta grande apequenada
Pessegueiros pesteados
Eucaliptos minguados
Formigas cortadeiras
E uma guajuvira na porteira
Na sala uma floreira
No quarto a janela da casa velha da vó
Na cozinha o velho fogão a lenha, acho que foi da vó.

A frente que se avistava lá do alto
Estava plantada a igreja
De longe em miniatura
A igrejinha de Nossa Senhora.

Deus costumava visita-la em dias de festa,
Na verdade acho que Deus ia só pra ver Nossa Senhora
Sempre tão linda encima do altar
Branca
Triste
E santa.

No Natal sempre montavam um grande e poluído pinheiro.
Tinha encenação.
Ninguém hospedava a mãe de Jesus.
Mas iam todos os domingos na Igreja.

Na Paixão
Andarilhávamos em procissão
Os santos nem se mexiam nas Estações.

O padre dava a hóstia.
A beata carregava a mala do padre.
O padre não tinha sensibilidade,
Não merecia que lhe carregassem a mala.

Voltávamos da missa pela estrada de chão e pedras.
Á beira da estrada pitangas e amoreiras.

Casas á beira da estrada
Valetas á beira da estrada
Vacas pastam e mugem á beira da estrada
Uma família de patos pateia á beira da estrada
Um cachorro se espreguiça, isso ainda á beira da estrada
Um velho senhor descalço capina á beira da estrada
A beira da estrada é forrada de bem-me-queres e marias moles
Uma preá corre e se esconde á beira da estrada
Árvores moram á beira da estrada
Na beirinha da estrada cai a ponte
Embaixo da ponte corre a sanga
Outra sanga
Vacas bebem na sanga a água
A sanga é uma valeta grande e corta no meio a estrada.

Mais adiante não se vê do alto.

Uma tapera.
Árvores de uvas silvestres derramavam frutas sob a estrada.
Limoeiros secos, coitados
E as crianças apanhavam os limões sem piedade.
Comiam com sal.
Saia água da boca.
A tapera também fora desenhada com pés de pereiras.
As pereiras dão peras.
E das peras a mãe faz perada.
A ximia da pêra é a perada.
Os marmeleiros á beira do caminho que levava pra outra sanga dava marmelos.
A mãe fazia marmelada.
O doce do marmelo é a marmelada.

Forrava o chão da tapera um tapete de lírios selvagens e roxos.
As crianças desejavam arranca-los de lá.
Sempre arranjavam desculpas para ir á tapera ver a quantas andava o maduramento dos lírios selvagens.

Os meios eram os mais esfarrapados
Colher vassoura
Buscar gravetos
Colher flores pros vasos vazios da casa
Juntar pedrinhas na sanga
Pedrinhas coloridas
Arredondadas
Em forma de corações
Amarelas
Brancas brilhosas
Pedras comuns

Às vezes uma cobra aparecia na sanga
E varria as crianças de lá.
Corriam
Corriam
Corriam
Corriam
Esbaforidas chegavam em casa
Desasadas
Desarvoradas
Apavoradas
Assustadas
E bem no fundo encantadas.

Cobras cruzeiras
Papapintos
Corais
Cobras verdes
Rabo fino é venenoso.
Se for picado morre.
Tem que amarrar um canto da camisa pra cobra não sair do lugar.
Deve olhar nos olhos dela.

E quem de nós tinha coragem de olhar nos olhos da cobra?

As cobras nos varriam da sanga e
Os Lírios eram selvagens,
Amaduravam quando bem entendiam.

A sanga se tornava perigosa.

A sanga instigava a nossa imaginação,
Atiçava o nosso medo,
Enriquecia nossas histórias,
Fortalecia nossos laços.



As veias da minha infância foram regadas por sangas.
Sangas rasas, sangas fundas.
Sangas calmas e nervosas
Sangas claras e sangas sujas
Sangas boas e perigosas.

24 de abril de 2008


Na varanda velha da casa
Adormecera um poço raso
Em cima do poço a mãe depositava baldes de água que trazia da cacimba
O poço estava cansado,
Não nos dava mais água.
Sobrevoavam os baldes os terríveis marimbondos
Uns pretos
Uns marrons avermelhados
Depois das cobras e das mamangavas
Esses eram os bichos mais temidos por mim
Até que um dia fui beijada por um deles.
A picada era tão de leve que virou um beijo,
Ficou vermelhinho no lugar
Inchou
A mãe colocou vinagre e sal
Desinchou
Desavermelhou
Desbeijou

A mãe não teve a mesma sorte
Não foi agraciada por beijos de marimbondos.
Um dia ela subiu no pessegueiro mais altivo do arvoredo,
Este pessegueiro era o Rei do arvoredo.
Florescia umas flores rosas pequenas por demais delicadas e
Dava vida a uns pêssegos bem grandes e amarelos e vermelhos por dentro.
Cada um que chegava a mãe apresentava seu mais bonito pessegueiro.
Um dia ela resolveu colher uns frutos
Pra fazer uma pessegada.

A pessegada é a ximia do pêssego.

Quando chegou lá encima,
No galho mais alto e comprido
Naquele que mais tinha pêssegos de ouro
Ela foi atacada por um enxame de marimbondos
Eles picaram a mãe coitada bem dentro do seu nariz
Lembro que ela escorregou do galho com o nariz inchado e avermelhado
Os olhos diminuíram curiosamente
A mãe não colheu os pêssegos.
Acho que o Rei do arvoredo ficou zangado com a mãe.
Ela achou melhor deixar com que os frutos amadurassem e caíssem
Quando o chão estivesse forrado de um lindo tapete amarelo
Ela se arriscava a junta-los,
Coitada.

Antes de eu ser gente
Fomos morar na casa velha da vó
Branca
Grande
Três quartos
Sala vazia
Cozinha com fogão a lenha
Varanda com poço adormecido
E um grande quarto de banho...cheio de sapos.
Os sapos eram muitos e
Verdes.
Nos cantos cantavam meio desafinadas as rãs.
O chuveiro era de lata.
Num dos cantos uma caixa de papel com uma galinha garnizé chocando ovo.
Eu tinha medo de sapos,
Mas eles gostavam de mim e eu não sabia.
Que pena!
Não aproveitei do aconchego gosmento e frio de suas companhias
Não apreciei com sensibilidade o canto mesmo que desafinado das rãs
Não consegui ouvir os desejos delas
Não aplaudi os saltos loucos das pererecas
Não assisti o show que me preparavam todas as noites
Como pude ser tão rude com os sapos da minha infância?
Hoje descobri o tamanho da generosidade daqueles bichos
Mesmo que eu os tenha
Desprezado
Desvalorizado
Desacompanhado
Desassistido
Desaplaudido
Desouvido
E
Desgostado
Eles num ato de amor imenso por mim me acompanham até hoje em sonhos.
Mas como são sapos
E não sabem distinguir certas coisas das outras
Eles transitam entre meus sonhos e meus pesadelos.
E continuam verdes, frios e gosmentos, queridos.


A casa da vó era vista de longe e do alto.
Atravessava a porteira,
Passava o passinho,
Subia a subida,
Costeava o pé de umbu e chegava bem na frente da casa.
Duas janelas grandes e uma porta larga ornavam a fachada da casa.
Contornava a casa uma calçada comum, alta e perigosa.
O que descomunizava a calçada eram as flores que a vó plantara antes de partir.
Do lado direito da casa e bem nos pés da calçada nascera uma flor rosa
Não era uma só
Era um bando de flores rosas
A coisa mais linda que eu já vi.
Eram de um perfume tão doce,
Acho que herdaram do jeito da vó.
Delicadas
Sensíveis
Meigas
Claras
Leves
Rosas
Frágeis
Fortes
Bonitas
Encantadoras
E herdaram tudo da minha vó.
Não bastasse este tesouro plantado a direita da casa,
Na frente dois pés de Primavera perfumavam o ar.
Brancas
Roxas
Rosas
Lilázinhas
Espirravam um cheiro bom e embriagador.
Eu me sentava pra brincar entre as duas Primaveras.
Não bastasse a beleza e o poder das Primaveras
A frente da casa era colorida por pares e pares de lírios vermelhos
De par em par
Com pequenas hastes no centro
Tinha gosma no seu caule.
O tio não gostava que arrancasse.
Ele adorava flores.
Essas especialmente deviam trazer a lembrança da vó.
O tio amava a vó, sentia falta.

Esse tio era o mais bem desenhado de todos
Seu desenho tinha uma parte colorida e outra não
Na parte colorida tinha
Arte
Poesias
Gaita de fole
Era gaiteiro bonito e galanteador
Namoradinhas
Várias namoradinhas, todas das mesmas famílias
Cavalos
Bailes
Amigos
Festas
Traje novo
Cabelo penteado
Carinho guardado
Amor encerrado
E muito mais.

Na parte escura do desenho eu via
A partida da vó
A notícia
O baile interrompido
A tristeza bonita
Um amor não deixado
Um amor que ficou guardado
Trancafiado no peito
O peito não agüentava
O peito chorava
E a amada partira nos braços de outro

O tio era lindo e bebia como um passarinho
Gota por gota sentia
Não sei o que elas diziam
Não sei o que elas aliviavam
Não sei se com elas esquecia
Não sei se com elas melhorava.

O tio comia cebola como ninguém.
Ninguém faz música comendo rodelas de cebola como ele
E isso era fascinante
O som que vinha do namoro entre os dentes e as rodelas de cebola era bonito de ouvir.
Ele as devorava
E aquele era o barulho mais sonoro,
Mais afinado,
Mais melódico,
Mais nobre,
Mais extasiante que ouvi na minha infância.
O tio fez uma viagem pro céu e ainda não voltou.
A caminho da viagem veio se despedir de mim
Com um afago me fez dormir
E partiu.
Esqueceu de levar a gaita,
E deve ter se entretido a namorar com as estrelas.
Dizem que as estrelas são ciumentas,
Não devem deixa-lo vir
As vezes aparece em sonhos e logo é hora de partir.


25 abril de 2008

Para a Barrica

Quando te conheci não pude resistir ao teu encanto
e encantada te descobri.
E nos recantos sombrios e empoeirados tu encheste de luz...
uma luz que vai do amarelo, branco, azul, vermelho...e banha tudo de vermelho.
E a paixão que pulsa em ti comeu tudo o que era velho e triste.
E tu chegou e me engoliu com tua boca tão grande...
com os olhos famintos de liberdade me encantou
e neste nariz...vermelho fez minha morada.

Saudades do meu irmão

Me faltam braços para abraçar esta distância
E me faltam pernas pra trilhar esta lonjura.
Mas sobram beijos
Dos mais variados e imaginados
Beijos doces suspirados
Beijos fortes esmagados
Beijos loucos engraçados
Beijos provocados
Suaves
Leves
E soprados
Sobram tantos
que me escorrem pelo canto da boca
escorre um
escorre outro
escorrem vários
e não tenho pra quem dá-los.

26/06/2008

O pote mágico dos beijos


De tanto sobrar-me beijos dos mais variados tipos,
Resolvi inventar um pote para guardá-los.

Para aqueles que enxergam com os olhos
O pote era bem pequeno e não parecia caber nem um beijinho se quer.

Mas para aqueles
A quem só sentir já lhes basta
Ah, pra estes o pote era imenso
Um gigante pote de beijos.

De fora tão pequenino, mas ao lhe retirar a tampa
Um buraco bem fundo
E macio.

Cada beijo armazenado repousava no fundo macio do pote.

Tive o cuidado de guardar beijo por beijo com toda a minha delicadeza.

Assim que escorregavam pelo canto direito da minha boca
Aqueles beijos perdidos
Sem rumo certo
Sem destino
Eu docemente os conduzia ao fundo macio do pote.

E lá foram adormecendo os meus beijos
doces
loucos
coloridos
soprados
encantados
mastigados
suspirados
sussurrados
amarelados
beijinhos estofados
mordidos
acanhados
beijos safados
provocantes
apaixonados
amorosos
carinhosos
vermelhos e laranjados
beijos desfolhados
explodidos
arrancados
cultivados
beijos curiosos e engraçados
...

Cada beijo se arranjou como pode no fundo macio do pote.

Quando eu ia guardar um beijo,
Os outros
Cansados do pote queriam sair de lá
E arranjavam várias maneiras de me enganar.

Disfarçavam-se de agradecidos
De amigos
De saudosos companheiros
Uns conseguiam se disfarçar de beijos de fadas
E com este disfarce fajuto muitos me encantaram e fugiram do pote.

O pote mágico dos meus beijos já está estufado
Pois quando um beijo beija outro beijo
No fundo macio do pote
Vertem pelas paredes brilhantes
Beijinhos enlouquecidos
E assim
Cada vez mais beijos repousam no fundo daquele pote.

Uns beijos meus ainda estão soltos por aí.
Outros estão guardados no fundo daquele pote
Esperando que alguém distraído
Abra a tampa do pote sem precauções nem cuidados.



26/06/2008

A caçada de borboletas

Personagens: Maria e Pedrinho

Local: nos espaços vagos entre as cadeiras coloridas de vermelho, verde, branco e marrom, que separadas são simplesmente cadeiras de plástico, umas de melhor outras de pior qualidade, juntas formam a numerosa platéia do circo onde Maria e Pedrinho moram.

Época: atual, mais precisamente numa tarde escaldante de sexta feira, de um dezembro descompensado.

Depois de testarem diversas brincadeiras pelo espaço imenso do circo
Depois de terem explorado as sombras, os caminhos, os toldos, os traillers, e a praça de alimentação...
Maria e Pedrinho não pareciam se incomodar com o calor
E sem mais idéias para brincarem fora do circo
Resolvem adentrar a lona.

Olhar para o céu estando debaixo da lona é como se estivesse dentro de um doce
Amarelo com vermelho
Apetitoso
Delicioso
De lambuzar os beiços,

Mas só parece
Porque todo mundo sabe que não se come a lona de circo
A não ser com os olhos.

Maria e Pedrinho estavam famintos de uma brincadeira nova, mas não podia ser qualquer brincadeirinha de menina, ou de menino, tinha que ser uma aventura...

Mal entraram debaixo da lona, ainda sob o tapete vermelho que recebe o público na sua entrada, os olhos atentos e espertos do Pedrinho avistaram uma linda e grande e preta borboleta que sobrevoava as cadeiras...
Sentava numa
Sentava noutra
E dava rasantes que enlouqueciam Pedrinho.

Ele como um relâmpago saiu
Voando atrás da borboleta
E de várias maneiras tentou pegá-la
Maria corria junto
E dizia:
- O Pedrinho meu amigo está caçando borboletas.

As borboletas são freqüentadoras assíduas do circo,
Ao despertar,
Abrem-se as janelas dos traillers
E fazem a festa ainda com resquícios do orvalho da manhã
As borboletas amarelas,
Mas as que entram no circo
São as pretas
As rainhas das borboletas.
Só elas entram debaixo da lona e aproveitam
Demarcam território com a leveza das batidas de suas asas equilibrando-as no ar circense.
Estas não pagam ingresso, acho que nem nunca pagaram.

As borboletas encantaram a Maria e o Pedrinho...
Mas depois de inúmeras tentativas frustradas de pegar e prender as borboletas...
Eles chegaram a uma importante conclusão:

Já que não se consegue prender as borboletas porque são rápidas e porque tem asas, fogem mais depressa e parecem ser mais livres, eles decidiram catar canudinhos de refrigerantes debaixo das cadeiras coloridas do circo.
Com esta brincadeira se distraíram por horas,
Mas como quase toda brincadeira de criança
Maria acabou chorando.

- Porque choras Maria?

- É que eu queria umas caixinhas de pipoca que o Pedrinho pegou.

- Pedrinho dê algumas caixinhas pra Maria.

- Eu não, quem mandou ela insistir com as borboletas? Enquanto ela corria atrás das asas das borboletas eu juntava canudinhos e caixinhas de pipoca.
Você tem que ser mais esperta Maria.

Sentenciou Pedrinho no final da brincadeira.

Mal sabia ele quais eram os planos secretos da Maria para aquela noite...ela os disfarçava muito bem por detrás daqueles pequenos olhos curiosos.